sábado, 21 de julho de 2007

Cristãos inoperantes

Cresce, a cada dia, minha inquietação com algumas expressões da
cristandade ocidental.

Noto, por um lado, uma piedade desencarnada, sem relevância diante
da vida, destituída de racionalidade e pobre de bom senso.

Percebo, por outro lado, uma espiritualidade cheia de boa vontade,
recheada de "profetismos" e indignações, mas impotente e que pouco
contribui na construção da história.

Minhas intuições mais primitivas me mostram algumas coisas. Antes!
De antemão, já sei que estou perdendo uma grande parcela de
pensadores cristãos que não valorizam as intuições no exercício
teológico. Tudo bem. Adianto apenas que, ao falar de intuição, valho-
me de meu berço pentecostal que me autoriza a também pensar com as
entranhas.

Vamos aos meus "insights":

1. Sugiro que se considere o livro de Eclesiastes como um dos
principais eixos hermenêuticos para se compreender a Bíblia. Ele
precisa ser levado mais a sério. Enquanto os evangélicos não tiverem
coragem para encarar a vida com suas contingências, aleatorieades, e
com o porvir em aberto, não tem jeito, eles permanecerão de mãos
atadas para transformar a realidade.

O pretenso axioma de que o fim da história já está pronto, levará,
por mais que se diga que não, a um fatalismo. Ora, se a história
segue por trilhos que a Providência estabeleceu antes da fundação do
mundo, mesmo que cruzemos os braços (postura que só nos traria
prejuízo, aquiesço) ela chegará ao seu destino sem depender de nós.
Esta compreensão, mesmo que sutilíssima, gera inoperância.

Qual o futuro do Brasil? Se ele já estiver pronto, se já for
conhecido plenamente, (não como possibilidade, mas como realidade)
aqueles que não cooperarem, só perderão a oportunidade de serem
participantes, porque o Brasil se transformará no que tiver de ser.
Claro que existe um certo conforto em pensar no futuro como algo já
determinado, e essa acomodação estanca a verve transformadora.

2. Percebo que alguns têm medo de rever seus conceitos de soberania
divina; apavoram-se com a possibilidade de estarem diminuindo suas
convicções teológicas e sentimentais sobre a onipotência divina.
Nada mais próximo do sacrilégio, para alguns. Esses, sem conseguirem
criticar a compreensão do senso comum sobre soberania divina,
repetem que tudo está sob o controle absoluto de Deus e que nada
acontece sem que ele tenha um propósito.

Assim, estabelecem como verdade, mesmo sem perceberem, que todos os
mínimos detalhes e todos os acontecimentos e desdobramentos do que
existe é parte de um plano cósmico.

Favelas? Desgraças mundiais? Terrorismo? Estupros? Tudo,
absolutamente tudo, afirmam resolutos, faz parte da vontade de Deus
e redundará em glória para o seu nome. Eu, porém, atrevo-me a dizer
outras coisas sobre o assunto. Acredito que nem tudo o que acontece
foi previsto, antecipado ou participa de uma intrincada engrenagem
celestial.

Na minha opinião, a injusta distribuição da riqueza mundial, os
gastos exorbitantes com armas e bombas, a cultura do acúmulo, do
desperdício e do consumismo e até o moderno mito do progresso que
destrói os ecossistemas, não têm nada a ver com Deus. Ele não pode
pagar a conta do nosso egoísmo, da nossa perversidade e da nossa
indiferença. A não ser que os evangélicos abandonem seus
pressupostos deterministas da história, a ação cristã permanecerá à
margem dos verdadeiros processos de mudança da realidade.

3. Noto que a doutrina da salvação (soteriologia) cristã joga para
depois da morte, o processo que deveria salvar as pessoas para
dentro da história. Cristo não salva apenas para garantir um "pós-
sepultura" de alegrias perenes. Ele deseja que seus discípulos
experimentem, no quotidiano, uma qualidade de vida já contaminada de
eternidade.

A alvissareira mensagem evangélica anuncia que não basta salvar
indivíduos de si mesmos, eles precisam ser salvos para o próximo;
não basta salvar indivíduos do diabo, eles precisam ser salvos para
não demonizarem suas relações sociais; não basta salvar os
indivíduos do mundo, eles precisam ser salvos para voltar ao mundo e
salgá-lo.

Enquanto não se criar coragem para repensar alguns pressupostos
aceitos como dogmas e sem reflexão crítica, os cristãos continuarão
se indignando com a morte de crianças, continuarão engrossando o
coro dos revoltados, continuarão esmurrando mesas sagradas, mas
pouco contribuirão para mudar a existência.

Religião só tem sentido quando afirma que o mundo não está do jeito
que deveria; e o verdadeiro cristão precisa querer mudá-lo.

Quem se atreve?

Ricardo Gondim

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